O Estoril Praia, que garantiu pela segunda vez consecutiva a qualificação para a Liga Europa, e que está a um ponto de terminar no quarto lugar da I Liga
, não quer ser o quarto grande do futebol português mas antes o primeiro médio, no final de uma época em que Marco Silva pode sair para um “grande” do futebol português, futebol esse que é um produto que devia ser melhor vendido em benefício de todos os clubes, algo que a Liga não está a fazer. As ideias são de Tiago Ribeiro, presidente da SAD do Estoril Praia, deixadas para o LusoGolo ao longo de uma extensa entrevista na qual todos os temas foram abordados de forma frontal e sem reservas, numa entrevista aqui publicada com alguns destaques áudio, e acessivel no final na totalidade, igualmente em ficheiro áudio devidamente acessível para que possa acompanhar o diálogo de Tiago Ribeiro com o LusoGolo.
"O Estoril quer ser o primeiro médio" |
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Aos 39 anos, advogado e agente FIFA, Tiago Ribeiro chegou a Portugal em 2010 pela mão da Traffic Sports, entidade que surge actualmente como o maior accionista da SAD estorilista depois de ter chegado ao clube em 2009 quando o Estoril Praia estava na mão da Lagos Soccer, empresa a cargo de João Lagos. Adquirido o capital accionista da SAD do Estoril Praia pela Traffic, o nosso interlocutor assumiu formalmente a presidência do Estoril Praia em Dezembro de 2010, dentro de um projecto nascido a partir de uma empresa familiar, o qual cresceu muito em termos de futebol a partir do Brasil para fora das fronteiras daquele país. A ideia inicial da Traffic passava pela aposta no Estoril Praia como porta do Brasil para a Europa, uma estratégia que foi mudando ao longo dos últimos anos em função da realidade económica brasileira e europeia. Hoje, o Estoril Praia já não é “o clube pequeno da II Liga” que era no início da aposta da Traffic, mas Tiago Ribeiro recusa a ambição de ser o “quarto grande”.
“O Estoril quer ser o primeiro médio, não precisa de ser o quarto grande! O Estoril é grande na sua história e na sua dimensão, mas é um clube que durante muito tempo foi um clube de subidas e descidas que sempre foi grande para o bairro, para a Amoreira e arredores. O Estoril faz 75 anos este ano e tenho muito respeito pela história do clube que se confunde com a história da própria região do Estoril. É um clube querido, que nunca teve grandes resistências, mas nunca foi grande e está longe de ter até aquele apelo regional como tem o Sp.Braga ou o V.Guimarães”, resume Tiago Ribeiro a propósito da realidade do Estoril Praia.
Num clube como o Estoril, os adeptos têm como primeira paixão os clubes efectivamente grandes e Tiago Ribeiro não tem dúvidas de que assim é, afirmando mesmo que não adianta remar contra a maré. “Para ir buscar um adepto do Estoril é preciso atravessar quase uma geração inteira e sempre dentro do mesmo nível. A nossa pretensão é por isso ter mais sócios e mais adeptos do Estoril Praia, independentemente da primeira cor do coração ser verde, vemelha ou azul. Não temos esse tipo de orgulho e não iremos ter, não podendo por isso o Estoril ter a pretensão de ser um grande mas antes ser um clube que demonstre dentro do campo os seus valores – o trabalho e a humildade sem perder também a ambição –, e aos poucos conseguir dessa forma chamar mais público ao Estoril”, explica o nosso interlocutor garantindo a vontade do Estoril em ser “um pequeno que faça grandes feitos”.
A nossa Europa
é o Estoril!
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Tiago Ribeiro garante que situações como a ida do Estoril Praia às competições europeias não tira do horizonte do clube que a meta do clube é o campeonato, apostando sempre na manutenção como primeira meta, evitando os riscos que muitas equipas correm quando, no momento em que vão à Europa, acabam por fazer um percurso menos positivo nas competições internas.
“Há clubes que depois de irem às competições europeias acabam por fazer más prestações no campeonato, talvez porque sonham demais com a Europa. Para nós, porém, a nossa Europa é aqui, o Estoril já é Europa e o resto é apenas mais um prémio. Conseguimos pensar sempre assim, mesmo em termos de custos, e nem sequer foi feita nenhuma loucura pelo facto de estarmos na Europa, sendo a única despesa suplementar as viagens necessárias” destaca Tiago Ribeiro apontando a meta principal: “A nossa prioridade é sempre o campeonato!”
Marco Silva irá sair
pela porta da frente
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Depois de, na época de 2012/2013, o Estoril Praia ter transferido jogadores a partir do plantel da Amoreira para os três grandes do futebol português, este ano poderá ser mais tranquilo em termos de transferências no plantel, algo que Tiago Ribeiro explica pela necessidade de permitir um grupo de trabalho que permita condições para a eventualidade de haver este ano mudanças no comando técnico.
“É importante que se mexa menos no plantel, até para que, na eventualidade de termos uma mudança no comando técnico, aquele que chegar não venha apanhar uma equipa totalmente nova. Quanto ao assédio à mudança no comando técnico, será normal. O Marco é uma peça muito importante no nosso projecto, foi determinante na forma como permitiu tirar um pouco da ‘brasilidade’ do estigma em que o Estoril vivia, ao apresentar-se como um clube de uma empresa que visava o negócio, passando as coisas a acontecer daqui para lá e não de lá para cá. E a chegada do Marco foi uma peça importante nesse processo”.
“Se o Marco encerrar este ciclo connosco, encerra da melhor maneira possível, e, se sair e quando sair, irá sair pela porta da frente, dando ao Estoril não uma reputação de um projecto bem sucedido na gestão desportiva e na formação de bons jogadores, mas também na formação de um grande treinador para o futebol português. Estamos preparados para essa mudança que, se vier e quando vier, será mais um ciclo que se encerra e em relação ao qual teremos que nos saber mexer. Teremos que procurar minimizar o estrago e criar uma nova estrutura que assimile a nossa filosofia de trabalho”, afirma Tiago Ribeiro, admitindo que uma eventual alternativa a Marco Silva será igualmente portuguesa.
Próximo treinador do Estoril
será português
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Para o presidente da SAD do Estoril Praia, o futuro terá assim que passar por uma opção em redor de um novo técnico português, até porque, diz, “não há nada que leve para outra ideia porque os treinadores portugueses demonstram uma qualidade de trabalho excepcional, estão em primeiro lugar no mundo, e não vejo país que produza, na proporção, tantos treinadores com tamanha qualidade, e o conceito do treinador português agrada-me porque é o treinador que treina e trabalha”. Este discurso, no entanto, mais do que determinado pela “fatalidade” do Estoril Praia ver-se obrigado a perder Marco Silva, surge decorrente do que Tiago Ribeiro diz ser “um discurso realista”.
“Eu tenho que trabalhar com as hipóteses sobre a mesa e o Marco sabe tudo o que vivemos aqui dentro, até por via de uma relação muito franca que temos. Ele sabe que, se quiser ficar e renovar este projecto terá liberdade para ficar, mas se ele tiver que dar o salto e se for o momento adequado para isso, vamos abraçar a ideia e deixá-lo seguir o seu caminho, pois isso significa que ele é muito bom e vai para um projecto maior, porque para um projecto menor ele não vai”, garante o presidente da SAD do Estoril Praia.
Caminho normal para Marco Silva
passa por um grande em Portugal
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Quanto ao destino de Marco Silva, o actual técnico do Estoril “pode estar em qualquer um dos ‘grandes’ de Portugal, tal como poderá ir para fora, isto porque é um técnico que possui enorme qualidade na sua organização de trabalho – o Marco é muito exigente na organização do seu trabalho, muito ambicioso, sem ser ganancioso mas muito ambicioso –, e num grande clube ele vai poder estar mais focado no seu trabalho”.
“Pessoalmente, acredito que o caminho mais normal para ele passe por ingressar num grande português para mais tarde poder seguir para fora, mas se a oportunidade de um grande não aparecer aqui e aparecer lá fora ele está totalmente preparado”, conclui Tiago Ribeiro a propósito deste tema, garantindo que em relação ao grupo de trabalho existe a intenção de “manter a estrutura”, ainda que possa haver “uma ou duas mudanças naturais em qualquer final de época”. Depois, avança, “haverá certamente a oportunidade de trazer reforços que venham somar qualidade e não apenas para preencher o elenco”.
Joaquim Oliveira é o grande responsável
pelo futebol português existir
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Fora das quatro linhas, o Estoril Praia começou também a ganhar algum protagonismo, nomeadamente através da presença do nosso interlocutor junto dos principais órgãos de decisão do futebol português, nomeadamente a Liga de Clubes onde apareceu já como porta-voz dos clubes ali representados. “O Estoril tenta manter uma postura construtiva. Passei os primeiros anos a observar e comecei a perceber que o clube, por não termos o rabo preso com ninguém, nem a norte nem a sul, nem com o Benfica, FC porto ou Sporting, de quem não dependemos e temos vida própria – são clubes com quem iremos continuar a querer fazer negócios mas não temos qualquer ligação particular a nenhum deles –, deu para perceber que era necessário entrar numa guerra que percebemos ter surgido em resultado de um posicionamento do presidente da Liga que veio com propostas oportunistas e fora de um contexto de valorização de um produto colectivo como é o futebol português”, explica.
“Comecei então a dar mais a cara, a frequentar mais esses fóruns, e sentir necessidade de desmistificar algumas crenças no sistema, no bem e mal… não há bem e mal, o que há no futebol português é uma situação em que não está a ser valorizado enquanto produto no seu todo, é um produto que está a perder valor de mercado e não há concorrência. Quando se ouve falar na pretensão de fazer uma queixa à autoridade da concorrência eu pergunto: onde está a concorrência? Onde estão os compradores deste produto? Não há! E ninguém ainda trouxe uma alternativa. O próprio presidente da Liga pretende ser o defensor e o salvador do futebol português, mas no fundo é um Dom Quixote que está a lutar contra moinhos de vento!”
Questionado frontalmente sobre a existência de um sistema no futebol português, Tiago Ribeiro é peremptório: “Eu estou aqui na minha quinta época, e quando se fala em questões como a Olivedesportos ou o Joaquim Oliveira, e aquilo que ele controla… mas o que é que ele controla? O Joaquim Oliveira é o grande responsável pelo futebol português existir ainda hoje. Se ele faz bem ou mal, não sou eu que estou aqui para criticar, mas até hoje não apareceu ninguém que pague essa conta. Se ele tem lucro, que eu saiba em Portugal vivemos numa sociedade capitalista liberal e não é proibido ter lucro nem é proibido ter uma actividade que permita um investimento que dê um resultado positivo. Que eu saiba isso ainda não está proibido em Portugal, pelo que acho que existe muita hipocrisia. Houve situações pontuais como alargamentos e outras que permitiram salvar épocas, e tirar a barriga de misérias naqueles momentos, mas no fundo só pioraram a qualidade do produto futebol como um todo”.
“Se o produto não é valorizado não vai aparecer ninguém que queira comprar. Então, se houve algum momento em que ele dominou o mercado, então o momento em questão não é agora mas foi lá atrás, só que lá atrás foi conveniente para todos e quando se faziam negócios e havia dinheiro e todos negociavam ninguém se preocupou. Vão-se preocupar agora e aquela pessoa que ajudou a construir o futebol, essa pessoa de repente deixa de ser Deus e passa a ser o Diabo… acho que isso está errado!”
Não há um sistema, mas antes um operador
que fez muito pelo futebol… e ainda faz
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Se houve sistema algum dia, Tiago Ribeiro defende que hoje não existe sistema, e explica o seu raciocínio com aquilo que se passou num passado recente com o Benfica sobre quem, recorda, o presidente da Liga, “nunca falou uma palavra”. “O Benfica optou por uma questão própria, de ordem logística e de estratégia, pelo grande clube mundial que é, optou por uma saída própria, e tem todo o direito de o fazer, e não está mais com o antigo operador. Tem todo o direito de fazer isso e faz muito bem se consegue fazer um bom negócio para a entidade Benfica. Só que o presidente da Liga nunca falou uma palavra sobre isso. Deveria dizer que a centralização não dá mais porque a maior marca do futebol português já não alinha e é uma hipocrisia manter o discurso quando o principal produto, a principal marca, já não está alinhada. Então, vamos mudar o discurso! A verdade é que o presidente da Liga está a manter a discussão isolada nesse ponto para esconder a incompetência de gestão que a Liga vem fazendo nos últimos anos!”
Por tudo isto, Tiago Ribeiro defende a demissão imediata do presidente da Liga de Clubes, mas também a diminuição dos poderes políticos para a Liga, uma situação que continua a impedir que todos os clubes se sentem à mesma mesa em defesa do produto futebol. Por tudo isto, aliás, frisa que no seu entender “não há um sistema, mas antes um operador que fez muito pelo futebol… e ainda faz”. “Esse operador pode até ter que melhorar em vários aspectos que terão que ser discutidos a uma mesa entre todos, mas não é contra o operador. Amanhã, se eu não tiver um contrato de televisão, é mais de metade do meu orçamento que está comprometido e aí, quem é vai pagar-me a conta? É o Mário Figueiredo?”
Certo é que os grandes clubes continuam a não conseguir sentar-se todos à mesma mesa para discutir as verdadeiras questões do futebol português, algo que Tiago Ribeiro entende como um “problema político”. “A Liga tem que ser um órgão cada vez puramente comercial e terá que deixar os problemas da arbitragem e da disciplina para a FPF. Para que os grandes se sentem à mesma mesa e possam falar daqueles aspectos que têm em comum, terão que discutir questões que não envolvam rivalidade, que não envolvam competição, e é por isso que não podemos ter uma Liga com uns estatutos que prevêem um Conselho de Presidentes sabendo-se que não é possível sentar na mesma mesa Pinto da Costa, Luís Filipe Vieira e Bruno de Carvalho. Mas um director de marketing do FC Porto poderá certamente sentar-se na mesa com o director de marketing do Benfica”, defende o presidente da SAD do Estoril Praia.
Mundial’2014 é um dos maiores
casos de corrupção no Brasil
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Adepto do Palmeiras no Brasil, Tiago Ribeiro, em ano de Mundial, garante que torce “pelo Brasil, mas também por Portugal”, qualificando como “um sonho” uma possível final entre o Brasil e Portugal. Já em relação à organização do Mundial FIFA’2014, Tiago Ribeiro espera que tudo corra bem pelos adeptos, mas assume-se como um “contestador do regime brasileiro actual, dessa escumalha que assumiu o poder no Brasil desde há alguns anos para cá, e observando de fora, perante todos os atrasos, estaremos provavelmente perante um dos maior casos de corrupção no Brasil, onde já não há poucos ao longo da sua história, e a Copa do Mundo é mais um”.
“Espero que a organização do Mundial consiga, pelo menos durante aqueles 30 dias, consiga disfarçar todos os problemas para que possa ser uma festa, que seja um grande espectáculo, porque é um espectáculo mundial com os valores que os desporto ainda tem que transmitir porque foi isso que nos trouxe até aqui, desde a altura em que éramos miúdos abraçávamos o miúdo do lado quando a nossa equipa ganhava ou chorávamos quando perdia. Espero por isso que seja assim na Copa do Mundo!”
texto e fotos: Jorge Reis/LusoGolo fotos: DR/LusoGolo (Arquivo)
Aceda aqui, na íntegra, à entrevista de Tiago Ribeiro ao LusoGolo... |
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