Define-se como “uma mulher normal, que gosta de ser mulher e da sua profissão”, mas Fátima Lopes, a estilista mais conhecida na moda portuguesa aquém e além fronteiras, que quisemos conhecer em discurso directo, é mais do que isso, tendo revelado o lado ousado de alguém que se sente realmente bem quando está a criar...

Aos 53 anos — assumir a sua idade não é problema para Fátima Lopes, que cativa pelo seu sorriso tão franco quanto permanente —, a estilista que há três décadas trocou a Madeira e o Funchal pelo continente e Lisboa, e que em Fevereiro de 1999, praticamente há 20 anos, ousou a aventura de se afirmar em Paris, a verdadeira capital da moda, falou com a Consilcar Magazine também sobre a ousadia, uma das palavras que mais a tem caracterizado ao longo de todos estes anos no que à moda diz respeito.

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“Os franceses nunca estão
satisfeitos com nada”

Conhecedora da sociedade francesa, onde se movimenta há duas décadas, Fátima Lopes tem uma opinião própria sobre a agitação social que se vive em França desde que eclodiu o movimento dos coletes amarelos: “Conhecendo os franceses entendo perfeitamente o que tem acontecido. Os franceses, por norma, nunca estão satisfeitos com nada, e não têm nenhum problema em ir para a rua manifestar-se ou mesmo gerar violência.”

“Eu gosto muito mais do feitio português, bem mais pacífico. Se os franceses tivessem o nosso salário mínimo, então já teriam incendiado a França toda, porque eles são agressivos, negativos, e nunca estão satisfeitos com nada. Acho que o senhor Macron não se vai dar nada bem porque os franceses não desistem enquanto ele não se demitir.”

A ousadia, diz, é algo que “abre caminhos”, e explica: “É muito mais fácil optar pelo porto seguro e ficar no seu canto. Difícil é ousar ir mais além, mas quem não ousa nunca irá, pelo que a ousadia e o gosto de arriscar terão permitido chegar onde cheguei.”

Curiosamente, esta estilista hoje reconhecida internacionalmente assume o adjectivo de ousada mas recusa o de aventureira: “As minhas aventuras têm a ver apenas com negócios. Não sou aventureira no que diz respeito a actividades radicais ou algo do género, nesse sentido não, de todo, e prefiro mesmo manter os pés assentes na terra. Sou muito tranquila e as minhas aventuras são profissionais.”

Aventureira em termos profissionais poderia implicar calculismo, mas Fátima Lopes diz que “infelizmente” nunca foi assim: “Era bom que uma coisa implicasse a outra mas infelizmente não. Daí, ao longo destes anos, ter feito muitos erros. Quando se arrisca, muitas vezes não se medem as consequências, e eu sou um pouco isso. A palavra empreendedor, que agora está muito na moda, quando comecei não tinha noção nenhuma disso, e fiz muita coisa sem noção e sem medir consequências nem riscos.”

“Decidi entrar no mundo da moda e vir para Lisboa, deixar tudo para trás e ir à aventura, e foi o que fiz quando saí da Madeira há 30 anos. Depois, decidi ir para Paris e arriscar no mundo da moda, faz 20 anos em Fevereiro, e a verdade é que nunca medi consequências, nunca fiz cálculos (muito menos financeiros), porque tenho um lado de empreendedora e empresária, mas tenho muito mais de criativa e aventureira.”

Quando apostou em Paris todos lhe diziam que “era maluca porque nunca ninguém tinha conseguido”. Agora a completar 20 anos em Paris, com dois desfiles por ano, assume aquele “gostinho de missão cumprida”. “Com erros, com percalços, mas o que me proponho fazer tenho-o conseguido, e no final de cada etapa, porque no mundo da moda ninguém pode dizer que conquistou tudo, e porque de seis em seis meses volta tudo ao zero, é preciso não ter medo de começar de novo.”

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Mundo aquático deu o mote na colecção para 2019

Ao querermos conhecer as tendências na moda para o ano de 2019 que agora arranca, a estilista preferiu dar-nos conta do que foi a colecção apresentada para este ano no passado mês de Setembro, em Paris, lembrando que “as tendências da moda são encontradas pelas coincidências dos vários desfiles” nas quatro capitais da moda – Paris, Nova Iorque, Londres e Milão –, algo que para os criadores “não tem importância nenhuma” porque, diz, “todos trabalham com ideias próprias e a preocupação em ser original.”

O movimento #MeToo e Cristiano Ronaldo

Nascido no mundo do cinema mas de algum modo transversal a todas as mulheres e a todas as profissões, o movimento #MeToo é um tema em redor do qual Fátima Lopes diz ter “muitas reticências”. Afinal, tendo este movimento dado voz a pessoas indefesas e anónimas, também houve figuras públicas que vieram falar ao fim de vários anos, algo que a estilista madeirense diz ter “dificuldade” em entender.

“Dificilmente comigo isso aconteceria, e se acontecesse denunciaria no momento. Agora, passados dez ou vinte anos e depois de terem usufruído de muita coisa, virem algumas figuras públicas denunciar situações, é algo que me faz confusão”, afirma Fátima Lopes, lembrando que estamos a cair no perigo das “acusações em praça pública antes das pessoas se poderem defender.”

Discussão com acusações na praça pública é o que se tem vindo a fazer em redor do caso que envolveu o também madeirense e internacional português Cristiano Ronaldo, acusado de violação pela norte-americana Kathryn Mayorga, um assunto que Fátima Lopes aborda com bom senso: “Prefiro não fazer comentários. Primeiro porque não tenho informação correcta e acho muito errado que se façam julgamentos em praça pública, assim como acho errado que se defendam sem saber o que realmente aconteceu. Há que ter consciência e conhecimento do que aconteceu e só depois dar ‘bitaites’, isto porque é tão fácil julgar estando em casa, quietinho atrás de um computador, hoje em dia em que tudo se escreve, tudo se diz, e toda a gente é especialista em tudo.”

Para 2019, Fátima Lopes idealizou assim uma colecção “muito alegre, positiva e feminina, com muita cor”. “O tema da colecção foi o mundo aquático, por via do meu signo que é Peixes. Brinquei muito com o mundo aquático, as cores, os materiais, as texturas a imitar as escamas dos peixes, padrões que simbolizavam o mar e as bolhas do mar, pelo que toda a colecção tem a ver com o verão, com muitos vestidos, mas também a linha de banho com muitos triquinis, sempre pensando em valorizar o corpo humano – a ideia não é esconder mas valorizar –, com os azuis, brancos, vermelhos, rosas, e uma colecção em que pela primeira vez apresentei uma manequim ‘plus size’, uma colecção que quis deixar claro ser para todos.”

A trabalhar há duas décadas em Paris, que aponta como “a verdadeira capital da moda” à frente de Nova Iorque, Londres e Milão, Fátima Lopes olha para Portugal como um país que nunca teve uma tradição de moda de autor, mas onde existem criadores, indústria com uma capacidade muito grande, e tudo para que a moda possa ter um verdadeiro peso na economia.

O problema é que, entre nós, diz, “poucos são aqueles que acreditam na moda de autor, e a maior parte dos empresários ainda não perceberam que a moda é realmente muito importante”.

Em Portugal existe o lado industrial da moda, há “uma grande visão de que a indústria é importante em termos económicos”, mas “ainda não há a visão de que a moda de autor também o é!” 

E quanto ao futuro... “Não tenho a necessidade de provar nada a ninguém, e quero apenas continuar a testar os meus limites. A idade não é um problema, até porque, na minha profissão, a idade traz experiência, sensatez e conhecimento, e quero continuar a fazer exactamente aquilo que faço pelos próximos 50 anos, se for possível e se tiver saúde, que é o fundamental. Imagino-me a acordar diariamente com um sorriso na cara, porque isto faz-me feliz e não imagino a minha vida de outra forma. Muitas vezes as pessoas estão à espera da reforma para descansar, mas eu acho que se parasse morria, pelo que irei continuar a fazer o que faço porque verdadeiramente é aquilo que gosto.”

entrevista: Jorge Reis
fotos: Carlos Rodrigues

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