Depois de ter sido o primeiro nome confirmado para a edição de 2017 do festival Misty Fest de 13 e 14 de Novembro, o pianista britânico James Rhodes preencheu a segunda noite

daquela agenda de um festival que está presente na cultura lusa desde 2010, trazendo anualmente agradáveis surpresas musicais, mesmo sendo muitas delas pouco comerciais mas sem dúvida de grande qualidade e impacto.

A noite de 14 de novembro acabou assim por ser preenchida por James Rhodes, com um espectáculo em relação ao qual acabaria por ser difícil explicar o que se passou no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém. Pelas 21h00, naquele palco da zona ocidental da capital, entrava em palco o músico londrino, com uns jeans pretos e uma sweatshirt igualmente preta na qual se podia ler a palavra Bach.

Comunicativo, James Rhodes começou por pedir desculpa por não saber falar português, lançando desde logo um desafio ao público para que este pudesse perceber o seu inglês que “testou” perante a audiência com uma frase: “Fuck Donald Trump!”

Por entre algumas gargalhadas e muitos aplausos, começava assim uma noite mágica na qual pudemos ouvir Bach ou Chopin, em temas sempre precedidos de explicações referentes ao contexto das peças, partilhadas pelo músico com o público. Da loucura dos autores à dor, à morte e à vida, a música que ouvimos fez-se sentir de uma forma totalmente diferente.

Entre as peças de Bach interpretadas por James Rhodes, uma delas foi criada aquando da morte da mulher de Bach, verificada quando este se encontrava a viajar. Quando Bach finalmente regressou da viagem em que se encontrava, o amor da sua vida já estava sepultado, sem ter havido uma pequena chance de uma despedida, circunstância que James Rhodes explica para a peça que vai tocar. Em dois momentos aquela peça parece chegar ao fim, mas prossegue, levando o músico a avançar com uma curiosa comparação: “Imaginem que vão ao hospital visitar alguém que está terminalmente doente e vão-se despedir. Porém, depois da despedida, chegam cá fora e pensam... ah, mas devia ter dito ainda isto… aí regressam e dizem o que tinha ficado por dizer. Saem de novo, mas mais uma vez surge uma memória que deve ser recordada e regressam uma vez mais…”

Algumas das metáforas propostas por James Rhodes, sempre visando um melhor entendimento da música que ia tocar, passaram por dramas de paixão: “Imaginem que são abandonados pelo amor da vossa vida e vão ao instagram e vêem fotos do vosso amor rodeado de pretendentes… outra ilustração... e depois do instagram ainda vão responder no facebook.”

A música, essa, continuava a cativar, porventura ainda mais pelas explicações permitidas pelo músico londrino, considerado um dos mais singulares casos de sucesso no universo da música erudita, ele que se apaixonou pela música clássica aos sete anos, com o Emperor’s Concerto de Beethoven, altura em que se aproximou do piano. Curiosamente, James Rhodes apenas iniciou uma educação formal de música aos 14 anos, que abandonaria quatro anos depois, aos 18 anos, tendo ficado uma década sem tocar piano. Essa circunstância não o impediu de se afimar no mundo da música, tendo editado cinco álbuns, com sucessos que permitiram impor o seu nome na cena internacional de música erudita.

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James Rhodes concilia a atividade de músico e pianista com a de ativista cultural em Inglaterra, com vários programas televisivos de sucesso na BBC ou na Sky e Channel 4, incluindo “Don’t Stop The Music”, a base de uma campanha de angariação de instrumentos para as escolas primárias públicas.

Sempre disponível para comunicar, James Rhodes que impressionou em muitos momentos pela forma como tocou sem um único recurso a uma partitura, juntou-se ao público no final do concerto que ali pôde continuar para lhe pedir um autógrafo da sua autobiografia, na qual a primeira frase é reveladora do espírito rebelde de quem aposta, apesar disso, nos sons eruditos: "A música clássica dá-me tusa!"

A biografia tem como subtítulo "A vida depois do inferno da depressão - Memórias de um consagrado pianista", dando conta da história de uma vida marcada por um episódio bem cedo no percurso de James Rhodes, ele que foi violado aos seis anos vindo a salvar-se pela música.

Permitindo uma magnífica noite, James Rhodes terá levado uma boa recordação do público português, que dele colheu igualmente um excelente concerto, daqueles que deixa fãs para outras noites idênticas. Nós estaremos no futuro entre os repetentes!

texto: Ana Cristina Augusto

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