MS 90 anosGoste-se, ou não, de Mário Soares, é preciso reconhecer que é uma figura central da vida portuguesa no período pós-25 de Abril de 1974. Nos tempos difíceis que se seguiram à queda do antigo regime não se escondeu, pelo contrário liderou a corrente que integrava, da esquerda à direita, gente que se batia contra a versão totalitária da “revolução dos cravos”.

Fundador e líder histórico do PS, ex-primeiro-ministro e ex-presidente da República, Soares recolhe hoje amores e ódios, consoante a interpretação que cada um faz do seu percurso político. Mas, recolhe igualmente a compreensão e o carinho dos que, à esquerda e à direita, viveram com ele esses primeiros tempos de Democracia.

Aos 90 anos, livre das amarras político-partidárias, diz o que lhe apetece, quando lhe apetece e ainda lhe sobra tempo para mais.

Em tempo de aniversário, protagonistas da vida política, como Adriano Moreira, Pacheco Pereira, ou Carlos Brito, testemunham o que Soares representa para os anos da Democracia. Brito, ex-dirigente do PCP e que hoje figura na lista dos dissidentes, testemunha no Público um episódio que caracteriza a vida política dos anos setenta: “As relações entre o PS e o PCP depois do 25 de Abril nunca foram muito cordiais. No PCP responsabilizava-se Mário Soares. Mas nem sempre foi assim. Em 1979, durante o governo de iniciativa presidencial presidido por Mota Pinto, decorria o IX Congresso do PCP, no Barreiro … Mário Soares com a ousadia e o desembaraço que o caracterizam telefona-me para o Congresso. O Álvaro Cunhal tinha feito um discurso demolidor do governo Mota Pinto e responsabilizado o PS pela sua manutenção, pois não queria colaborar com o PCP na utilização dos instrumentos constitucionais que poderiam levar à queda do executivo (…) Argumento que estamos em Congresso. Diz-me que é por isso mesmo que telefona: ‘Venho anunciar que o Partido Socialista vai apresentar uma moção de censura ao governo no princípio da próxima semana’. Exclamo, finalmente! Então, propõe que o PCP vote a favor da moção do PS e que o Partido Socialista votará a  favor da nossa moção. Reunimos de emergência os membros da comissão política do PCP. Havia divergências. Uns diziam que Soares queria tirar brilho ao Congresso com a questão da moção de censura. Cunhal pensou ao contrário. Disse que se o Congresso ficasse associado à moção de censura e esta tivesse eficácia constitucional, só dava brilho ao Congresso. Concordámos. Perguntei a Mário Soares qual era a primeira moção de censura que era apresentada. ‘As duas ao mesmo tempo’, respondeu. E assim se fez: os dois líderes parlamentares, o socialista Carlos Lage e eu, apresentámos as moções de censura. Depois, Mota Pinto pediu a demissão. Tivemos sempre boas relações para além das institucionais, havia uma simpatia reciproca que muitas vezes facilitou a colaboração. Algumas vezes eu e o Pato [Octávio Pato, dirigente do PCP] fomos convidados para jantar em casa de Mário Soares. Sempre foi um homem de acuidade e desembaraço”.

Júlio Pomar, artista plástico e figura que privou com Soares antes e depois de 1974, é outra das personalidades que traça, por estes dias, o retrato de Soares. Dos tempos de preso político a Presidente da República, passando pelos anos de exílio.

No Expresso, contou como vive, aos 90 anos, com a intensidade que sempre o caracterizou, a sua vida. Ele que, para muitos, ainda é um “inimigo político”. E respondeu: "Sou o gajo que lhes atira mais às trombas, que quer você? “

CarlosTrigo

crónica: Carlos Trigo
foto: Fundação Mário Soares

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